terça-feira, 10 de julho de 2012

Um dia




Pôs-se a sentar no sofá com o dedo indicador marcando a mesma página trinta e dois da qual não sairia, sobre a mesa de centro, na qual estavam cruzadas suas duas pernas finas e descobertas, um velho cinzeiro retangular com um peculiar mapa do Brasil ainda com algumas guimbas de cigarro e, logo ao lado, um antigo vinil de Dave Brubeck ou algo assim. Na televisão passava Zelig, esses filmes com Woody Allen o deixavam tão confortável naquela saleta com a janela quebrada, o sofá já desbotado e o tapete, esse novo, espesso e macio, que Allen chegava a ter um papel maternal em sua vida; porém não prestava atenção em uma palavra do filme, as legendas passavam pelos seus olhos estáticos como transeuntes na Uruguaiana, sem serem notadas, agora ele só tinha uma coisa em mente.

Lembrara-se das palavras dela entre soluços: "Você realmente pensou uma idiotice dessas?". A verdade é que ele nunca se sentiu um par apropriado para ela e o fato de ignorar qualquer sinal de interesse que viesse da parte dela tão rigidamente que o fazia agir como um padre era zelo para com o seu pobre coração. Pobre como sua blusa manchada, como sua meia furada, pobre como ele mesmo. Seu relicário, que passara a maior parte do tempo vazio, agora a tinha, seus sorrisos, suas histórias, sua cara de boba, essa era a maior riqueza que ele já havia conseguido e era na verdade muita coisa para quem não possuia nada. Por que um camponês começaria uma revolução se agora já tinha um pedacinho de terra para sua subsistência?

Era ela a subsistência dele: todos os dias seu despertador tocava às quatro e meia da manhã Bistro Fada e quase sempre não havia mais do que dois dedos de leite para acompanhar o café, pensar nela o fazia abstrair de todas as sacolejadas do 384 ou das cotoveladas compulsórias que receberia e até mesmo da rotina chata do trabalho, seu chefe, um cinquentão de óculos que nunca conseguira nada além de uma casa própria na bairro de Bento Ribeiro no subúrbio do Rio e um carro Renault, que havia comprado novo, mas estava sendo usado fazia aproximadamente dois anos, se julgava um grande homem, de feitos mitológicos.

Ao bater o portão, ele sempre observava o céu ainda escuro e estrelado, achava bonito, por vezes tivera vontade de se livrar da opressão gravitacional e cair no espaço sideral. Era nesses raros momentos de liberdade que ele fazia planos, embora no fundo ele mesmo os achasse incredíveis, o divertiam mais do que qualquer peça ou filme; ele se imaginava morando em Paris, escrevendo romances, deitado na cama depois de meio dia e, é claro, abraçado com ela. Apenas abraçado, pois para ele a sexualidade não era a protagonista nas relações amorosas, gostava de passear de mãos dadas, de dividir um sorvete de casquinha e todas essas coisas tolas que os namorados costumavam fazer.

Passado algum tempo, ele riu inconscientemente lembrou-se dos dois cantando na chuva uma música da jovem guarda, era Olha do Roberto Carlos, mas ele não conseguia lembrar-se claramente da letra; lembrou-se depois do choro dela ao descobrir que o motivo da indiferença de seu admirador era a diferença deles, das palavras de carinho dela e de como ela lhe mostrava interesse e admiração, do jeito que ela o escutava tocar violão, com olhos atentos a lhe fitar. Então sorriu docemente. Por alguns momentos em seu íntimo havia a certeza de que nada seria mais normal do que realmente ela estar apaixonada por ele.

De repente ele saiu do transe, foi interrompido pelo telefone, estendeu o seu braço e o pegou com as pontinhas dos dedos médio e anelar, o trouxe para si e olhou quem o ligava àquela hora: era ela. Estaria também ela pensando nele? "Não. Isso já é loucura", pensou. Tirou os pés de cima da mesa e logo se pôs a ajeitar o corpo no sofá. Pensou em como cumprimentá-la, pensou em forçar uma rouquidão para encantá-la, olhou novamente para o telefone e, com um suspiro, o desligou. Novamente estendeu suas pernas, as colocou sobre a mesa de centro e voltou a pensar nela.

sábado, 7 de julho de 2012

Conversas de botequim igor-gabrielenses




É tão difícil uma definição para informação que, devido a essa pobreza de definições, arriscarei uma aqui: informação é uma disposição da realidade ou das ideias que pode ser apreendido em um conjunto chamado conhecimento. Portanto o ato de conhecer algo está para além do real, dos objetos e da matéria que observamos, o conhecimento não é uma abstração do mundo real, mas uma captação muito pobre das disposições, sejam materiais ou imateriais, constantes ou efêmeras.

Embora pareça pouco relevante, essa observação é de suma importância para a minha observação. Logo deduz-se que as informações não são retiradas de nós, mas sim nós somos retirados das informações. A cada segundo estamos substituindo nossos átomos, então não é possível me definir pela minha matéria, uma vez que está em constante fluxo e ainda não é possível fazê-lo pela disposição dos meus átomos, uma vez que se eu perco um braço ou uma perna eu não deixo de ser eu mesmo. Só nos resta dizer que somos informações concentradas em um ponto do espaço, quando morremos nossas informações são espalhadas e nossa pressão é dissipada sobre a grande área do Universo, tornando-se praticamente imperceptível.

Novamente voltando a exemplificar a ilustração, se nossos átomos estão em constante fluxo, podemos fazer uma analogia à um rio, tal qual Heráclito, e dizer que o nosso corpo está em constante fluxo tal qual as águas de um rio, não podemos um rio pelas águas, uma vez que estão em contante movimento, nem pelas margens, pois se o rio secar e só ficarem as margens, não o chamaremos de rio e nem tampouco pela sua disposição, já que se mudarem o rumo de um rio ele não deixa de o ser. Só nos resta definir um rio como um conjuntos de informações concentradas pelo Universo, na própria água do rio há uma série de informações, como sua composição química e nessa há a informação da formação dos átomos, então são incontáveis informações agrupadas em algo que definimos por uma palavra: rio e assim também somos nós.

Esse é um pensamento muito poderoso, pois quando penso que eu sou um aglomerado de informações e você é outro e nós dois um dia vamos nos desfazer por completo e nos reagrupar em outros seres e talvez estejamos reunidos em um ser ou até em vários daqui a alguns anos e que nós mesmos somos a união das informações de vários seres, a começar pelos exemplos materiais: o DNA de nossos pais, os livros que nós lemos, até os exemplos mais imateriais: as informações dissipadas no Universo que foram condensadas em nós reparamos que tudo está em constante contato, "tudo é relativo", relativo vem de relação, logo, tudo depende de uma relação.

Como disse Haramein, nossa impressão de que estamos separados das outras coisas se dá pela falsa impressão que temos do espaço, pois imaginamos um vazio que não há entre dois objetos, na verdade, o vácuo intergalático, que é o maior que conhecemos, a distância entre as moléculas é de centímetros e mesmo no vazio partículas são criadas e se anulam constantemente. A grosso modo tentar produzir matéria a partir do nada é bater na parede do vazio a fim de deslocar alguma partícula, nem o vazio é vazio.

Quando escrevemos uma música agrupamos informações, mas essa ordem vem de nós, que também somos um monte de informações agrupadas e ordenadas por uma outra informação, que rege o Universo, a informação de que H2O é a fórmula da água por exemplo. Logo só existe informação e energia, sendo a energia objeto da informação e a informação imaterial, porém todo o material é feito por ela, como o cubo existente, feito por pontos que não existem.