terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Soneto ao domingo ou Soweto aos domingos




Fumaça de churrasco
sublevando-se do terreno vizinho,
O CD do Soweto já foi repetido tantas vezes
que parece tocar sozinho.

Se Faustão está passando,
me traga um antidepressivo.
Se a cabeça já está na segunda,
isso só pode ser nocivo.

Assim como o medo dói mais que a vacina,
o domingo tende a ser pior que a segunda,
pois ele a absorve emaranhada nos cabelos da bunda.

Por isso odeio o domingo, um dia diferente:
com consistência de saco
e que já vem com um caralho na frente.

Quadrados




Gosto de comer barras de chocolate
Quadradinho por quadradinho,
Guardando sempre a outra metade,
E não acho isso uma banalidade,
Posto que nesses sessenta dias de férias,
Uma ociosidade disfarçada frente à tela,
São os quadradinhos mais gostosos
Que não me saltam à janela.

Um grande homem




É bem verdade,
Existem diversas formas
De ser um grande homem
E para sê-lo basta uma,
Eis a minha dificuldade.
Não sou o grande homem
Matador de baratas,
Nem tampouco o grande homem
Magnata.
Para grande homem
Namorador eu me saio uma piada.
E quando grande homem
Jogador, fui o pior da pelada.
Não consegui ao menos ser grande homem
Na estatura,
Meus um e setenta aos vinte e um anos de idade
E, se fosse Gandhi homem,
Não teria nenhuma serenidade.
Sendo assim não sei o que esperam de mim
Com esses olhos mitigáveis.
Que eu suba num trampolim
Ou coma até atingir dimensões consideráveis?

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Acordes catatônicos





Polegar em Dó,
Dedos se atropelando 
E a mente desatina,
Todo o som
Agora é mescalina.

Indicador em Mi,
Dedos saltitantes,
A mão é bailarina
A vida por um instante
Se procrastina

Médio em Sol,
Mas chove lá fora,
Dedos pingam sobre o piano
Tudo o que foi escrito
Está fora do plano.

Cá tautologia há
Nos acordes catatônicos
Pois não há argumento,
Humano ou astronômico,
Para explicar o Dó no movimento.

domingo, 6 de janeiro de 2013

A primeira desilusão de todo homem que se preze




Foi forte o sentimento de desamparo que senti quando a minha avó, uma senhora aparentemente niilista, me contou que Papai Noel não existia, foi como o de um padre que se descobre ateu: "O que estou fazendo aqui com essa meia na janela? Essa meia não faz sentido! Esse mundo não faz sentido". Minha mãe, que por sua vez tem o costume de exagerar em tudo, comprometeu todo o orçamento de fim de ano pagando sessões de análise para mim e tivemos que passar o mês de janeiro comendo salsicha. Mas eu me recuperei, desilusões são males comuns na vida de qualquer pessoa e eu, que na época tinha apenas 27 anos, obviamente não podia entender uma coisa dessas.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

A invenção do homem e a invenção do homem




Erguem-se monstros cinzentos
Com dezesseis tubos de diafragma
Umas nações se ajoelham,
Outras são lançadas ao magma.
Mas, ao que parece,
O maior dos triunfos celestes
Consiste em ser uma espécie
De Thomas Edison.
Anos se passam néscios
E eis que a perfeição,
A onipotência e a onisciência
Se tratam de um viés,
Pois Deus criou o homem,
Mas o homem criou o jazz.