sexta-feira, 2 de maio de 2014

Relatórios de ações

Ninguém é feliz na Rua Sete de Setembro às 15:32h. Não no dia 2 de Maio, uma sexta. A coluna doí e os olhos repicam, ora vagando pelo o teto, em forro PVC de madeira, e a cabeça acenando para o feriado, ora apontando para o canto da tela: "15:32h, aquele maldito relógio não anda!" - pensou ele.

Sabia que hoje à noite a veria, sabia que passara toda a quinta, feriado, com ela, talvez soubesse até que a vida é bela, mas... De que valia? Eram 15:32h e aquele horário era insuportável, porque ficava espremido como uma linguiça entre o horário de almoço, em que comia um belo bife acebolado na Rua do Rosário, onde a garçonete sempre lhe sorria, e o horário do café, em que se juntava com os amigos para um croquete, na Gonçalves Dias, restaurante Pavelka, julgava ser talvez não o mais gostoso, mas com toda certeza o croquete mais caro de todo o Rio de Janeiro.

Em suma, era o exato horário em que tinha que trabalhar. Pudera ele ir todos os dias para a Sete de Setembro para comer bifes e croquetes, mas tinha que trabalhar, digitar relatórios e mais relatórios sobre aquelas porras de ações ON e PN. Por que fazia aquilo? Tinha 38 anos, 2 filhos e alguns cabelos brancos, mas não tinha certeza se era aquilo que deveria ter feito da vida. Talvez devesse ser médico, talvez engenheiro ou talvez devesse ser feliz.

Mas não era feliz? Era, quando ela estava perto, quando longe, sua vida era toda desgraça. Aqueles bracinhos magros que ele apertava e trazia junto ao corpo com avidez eram alvos como as dezenas de folhas da impressora, que fitava estagnado; eram carreiras de cocaína. Cheirava-os, se embrenhava neles como se nada mais houvesse.

Não podia ser de outra forma: sua ex-mulher, uma vaca, era a esposa perfeita: sabia se manter calada em ambientes sociais, tinha faculdade, se impressionava facilmente com presentes caros e sempre o traía bem escondido com pessoas de baixo escalão, sabia que se o casamento deles não havia dado certo, nenhum outro daria.

Foi quando ela apareceu: aquela criatura sorridente de bochechas rosadas, que andava tropeçando e fazia tudo errado.

É natural que se valorize coisas que surgiram por sua própria vontade: o homem é egocêntrico. Ele se orgulhava de seu trabalho, sua formação, a casa que construíra, mas nada disso jamais lhe fizera diferença, do mesmo jeito que era ignorado na casa de seus pais, quando criança, era ignorado agora pelas paredes de uma casa bem maior, que o oprimiam ainda mais. É raro que se dê importância a uma vontade superior: ela surgira em sua vida por qualquer conspiração do Universo, se amavam, ele era feliz, mas tinha vergonha de terem ido para a cama logo no primeiro encontro...

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